«Sim, quando tudo está dito e feito, não importa o modo como se consideram as coisas, ê era, na opinião de qualquer pessoa, uma criança modelo. Sim, ê era.
Ê era também o mais solitário bebé na história do mundo inteiro. E esta não é uma vã especulação. É um facto. Deus disse-mo.
A mamã era uma porca - um lixo de uma cona, bêbeda, doente dos miolos e porca. Era preguiçosa e indolente e suja e beligerante e no seu todo malvada. A Mãe era uma esponja - uma bêbeda - de olhos esvaídos e um trambolho com um sabor a cerveja feita em casa.
As bebedeiras da mãe processavam-se em círculos, a consciência a seguir à inconsciência, como dois porcos enormes, cada um a comer a cauda do outro - um negro, gordo e incrivelmente obsceno, o outro ébrio, a falar alto, com dois olhos sanguinolentos, maldoso e muito próximo do outro - e ela aderia a esses ciclos rigorosamente.
(...)
Então, tendo posto de parte ódio suficiente para ministrar a um exército, ela começaria - e dão-me calafrios só de pensar nisso - ela começaria - esta mesma cadela perversa, perversa como a merda - ela começaria a cantar uma versão das "Dez Garrafas Verdes", numa crescente algazarra. Quando chegava à parte que dizia "...e se uma garrafa verde caísse acidentalmente, não haveria mais garrafas verdes...", dava-lhe simplesmente o amoque - sim, lançada num lance de de tão imparável violência que simplesmente não era seguro estar ao seu alcance.
(...)
Até hoje pasmo de admiração em como consegui sobreviver aos meus dias de criança. Pois dizer que ê era um bebé espancado seria um pouco mais que correcto - seria absolutamente correcto! Sim! Ê era uma porra dum bebé espancado!»
Nick Cave, E o Burro Viu o Anjo..., Editorial Estampa, Lisboa, 1997, pp.28-29
Finalmente, após um considerável tempo de busca, cá está ele, seguro nas minhas mãos, à mercê dos meus olhos ávidos... Promete... =)