«Vivia outrora em Baile Mór um homem bem-parecido que se chamava Seimin Rua, o qual, com a sua tripulação, conduzia o barco a um banco de peixes na baía de Donegal.
De súbito o tempo mudou, o mar embraveceu e ameaçou fazê-los naufragar. Seimin, que se encontrava na popa do barco, viu uma onda gigantesca avançar na sua direcção. Descalçou um sapato e atirou-o contra o perigo. Pouco depois, viu uma segunda onda e apressou-se a descalçar o outro sapato, e a atirar-lho, após o que o mar se acalmou um pouco. Mas foi apenas uma breve pausa. Não tardou a avistar uma terceira, ainda mais ameaçadora que as anteriores, e os sete homens pensaram que ninguém os livraria de morrer afogados. No banco da popa, havia uma faca grande para cortar o isco. Seimin pegou nela e lançou-a contra o perigo. No momento imediato, a tempestade amainou e o mar ficou calmo e plano como uma prancha.
Regressaram a casa encharcados até aos ossos, e depararam-se-lhes as famílias desgostosas, por recearem não os voltar a ver. Não era, pois, de estranhar a alegria que a sua chegada lhes produziu. Depois de repartirem o produto da pesca e encalharem a embracação na praia, recolheram à respectivas casas, sãos e salvos.
Anoiteceu e Seimin estava sentado diante do lume, com a planta dos pés voltada para a fonte de calor. Rodeavam-no alguns vizinhos, aos quais descrevia as peripécias sofridas.
De repente, bateram à porta e alguém foi abrir. Era um ginete montado num cavalo branco, que perguntou se Seimin vivia ali. Em seguida, pediu que acudisse à entrada.
- Ficar-te-ia muito grato se viesses comigo e tirasses a faca que hoje cravaste no coração de minha irmã - anunciou-lhe.
Seimin apercebeu-se imediatamente de que espécie de criatura se tratava.
- Não tenciono abandonar esta casa, a menos que me garantas solenemente que nem eu, nem ninguém da minha família ou da tripulação sofrerá qualquer mal - tratou de advertir.
- Prometo-to, assim como que, ao amanhecer, regressarás a casa, são e salvo.
Seimin partiu com o ginete e não se voltou a saber dele até que o cavalo branco reapareceu na costa da praia Vermelha de Mullaghmore, em Connacht.
O animal subiu pela praia e acabou por desaparecer por uma porta, numa colina. Não passara muito tempo, quando chegaram a um palácio maravilhoso. O ginete desmontou de um salto e indicou a Seimin que o precedesse. A seguir subiram uma escada, até um aposento onde se encontrava uma jovem, a qual tinha cravada no coração a faca que ele atirara contra a perigosa onda e soltava gritos de dor.
- Arranca a faca! - exclamou ao vê-lo.
- Fá-lo-ei de bom grado, mas primeiro tens de me prometer que não me incomodarás, nem à minha família, amigos e tripulação - replicou Seimin.
- Prometido! - arquejou ela.
Seimin extraiu a lâmina da faca do peito da jovem, que parou com os queixumes.
- Porque tentaste afogar-nos? - quis saber ele.
- Porque estou apaixonada por ti e queria ter-te só para mim.
- E não hesitavas em matar toda a tripulação?
- Não- asseverou- Faria tudo neste mundo para que fosses apenas meu.
- Pois agora escusas de pensar nisso. Vou regressar a casa.
Diante da porta, o ginete e o cavalo branco aguardavam Seimin, que subiu para a sela atrás do outro, e o animal não parou até chegar á casa onde o pescador vivia. Uma vez aí, o ginete despediu-se e Seimin não o voltou a ver.»
Conto Irlandês, retirado de O Palácio dos Contos, Março e Abril, Círculo de Leitores, de Ulf Diederichs.
Qual é a moral que retiram? =)